Aço inox em aviões: já passou da hora de repensar?

Nos últimos meses, os noticiários têm escancarado uma verdade desconfortável: aviões estão caindo. Algumas situações, ou boa parte delas, tragédias evitáveis, muitas vezes decorrentes de falhas estruturais, fadiga de materiais ou manutenção ineficaz. Enquanto especialistas tentam identificar culpados, uma pergunta:

Será que não está na hora de repensar os materiais utilizados na indústria aeronáutica, principalmente no que diz respeito às construções das aeronaves propriamente ditas? Independente da categoria.

Em meio a ligas ultraleves e compósitos tecnológicos, um velho conhecido parece ter sido esquecido: o aço inoxidável. E talvez seja exatamente nele que se possa ter uma luz de solução.

Os números não mentem

De acordo com o Painel de Ocorrências Aeronáuticas da Aviação Civil Brasileira, da FAB, o número de acidentes aéreos no país vinha caindo até 2022, mas voltou a subir em 2023. E em 2024, o Brasil bateu recordes de acidentes e mortes.

Dados de acidentes e mortes por ano:

  • 2015: 172 acidentes / 79 mortes
  • 2016: 164 acidentes / 104 mortes
  • 2017: 146 acidentes / 54 mortes
  • 2018: 167 acidentes / 81 mortes
  • 2019: 151 acidentes / 66 mortes
  • 2020: 150 acidentes / 55 mortes
  • 2021: 141 acidentes / 60 mortes
  • 2022: 138 acidentes / 49 mortes
  • 2023: 155 acidentes / 77 mortes
  • 2024: 175 acidentes / 152 mortes
  • 2025 (até agora): 22 acidentes / 10 mortes

Mesmo com esse cenário alarmante, os órgãos responsáveis costumam afirmar que os números ainda estão dentro da “margem aceitável”. Mas aqui fica a pergunta: aceitável até que ponto?

Lembrando que esses números são apenas os relacionados ao Brasil.

O aço inox já voa

O aço inox já é utilizado em pontos estratégicos da aviação por razões muito claras:

  • Alta resistência térmica: ideal para escapamentos, discos de turbinas e defletores de motores a jato que operam acima de 1.200 °C;
  • Proteção anticorrosiva: suporta chuva, maresia, gelo, fluidos hidráulicos e variações de temperatura sem degradar;
  • Durabilidade estrutural: aguenta vibração, pressão e aceleração sem trincas ocultas ou deformações inesperadas;
  • Aplicações em grandes aeronaves: como no Boeing 787, onde o inox aparece em turbinas, fuselagens, asas e sistemas estruturais.

A manutenção também agradece. O aço inox tem vida longa e é fácil de inspecionar. Não esfarela – quando bem aplicado –, não oxida como ligas comuns, não “surpreende” com trincas ocultas. É previsível. E previsibilidade, em um avião, é tudo.

Os desafios

Obviamente, o aço inox ainda é mais pesado que compostos e ligas de alumínio, e seu custo, pode, aparentemente, parecer mais elevado, o que dificulta um pouco a conversa. Entretanto, os centros de pesquisa podem investir no desenvolvimento de ligas inox otimizadas para aviação.

Pode-se encontrar um equilíbrio entre leveza ou durabilidade. Combinado com novas ligas, nanotecnologia ou mesmo compósitos híbridos, o inox pode contribuir para uma aviação mais segura, mais estável e mais previsível.

Considerações do inox na aviação

É claro que o inox não serve para substituir tudo, como toda a carenagem mesmo, mas pode contribuir – e muito – com a durabilidade dos mecanismos. Talvez seja o momento de rediscutir onde o inox pode voltar a contribuir. Em um mundo que fala tanto de ESG*, sustentabilidade e segurança, talvez a solução não esteja apenas nos materiais “do futuro” — mas também em reaproveitar com inteligência os materiais que sempre entregaram o que prometeram.

Não pelo peso, mas pelo peso da confiança. Um parafuso de inox que não enferruja ou tem um desgaste muito menor pode significar a diferença entre um pouso seguro e um problema catastrófico.

Afinal, quando a resposta oficial é que o número de acidentes e mortes ainda está “dentro da margem”, talvez o problema esteja justamente na margem.

ESG = Environmental, Social and Governance (Ambiental, Social e Governança).