Nos últimos anos, o mercado brasileiro tem registrado uma prática preocupante: a substituição do aço inoxidável 304 por ligas da série 200, atraentes pelo menor custo, mas sem o mesmo desempenho em resistência à corrosão. Embora à primeira vista ambos os materiais apresentem semelhança, os resultados em campo têm mostrado falhas graves.
Segundo relatórios técnicos do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), diversas amostras da série 200 analisadas apresentaram composição química fora das normas internacionais, com teores reduzidos de cromo e níquel. Essa diferença impacta diretamente na resistência à corrosão, fator crítico em aplicações industriais, arquitetônicas e até alimentícias.
Um dos casos mais emblemáticos foi registrado em ensaios comparativos de contato com hipoclorito de sódio (água sanitária). Enquanto o inox 304 manteve sua superfície íntegra, as amostras de série 200 apresentaram manchas, pontos de corrosão e aspecto visual comprometido após poucas horas de exposição. Esse comportamento, quando reproduzido em cozinhas industriais e equipamentos de linha branca, pode levar à falha prematura e até riscos à saúde.
A doutora Zehbour Panossian, ex-presidente do IPT e maior especialista em corrosão do Brasil, alerta: “O baixo desempenho da série 200, especialmente quando contém apenas 1% de níquel, traz dúvidas sérias sobre sua segurança mesmo em aplicações consideradas de baixa criticidade.”
Além disso, a falta de padronização internacional para os novos aços Cr-Mn da série 200 agrava o problema. Muitos lotes chegam ao mercado sem atender às normas ASTM, DIN e NBR, o que significa que nem sempre o comprador sabe, de fato, o que está adquirindo.
A situação já levou inclusive a fraudes de certificação e à prática de vender “gato por lebre”: materiais da série 200 sendo comercializados como se fossem inox 304.
A Associação Brasileira do Aço Inoxidável (ABINOX) alerta que, embora os dois tipos sejam visualmente parecidos e ambos não magnéticos, a diferença de desempenho aparece rapidamente quando expostos a agentes corrosivos.
Essa realidade foi confirmada em campo pelo engenheiro Leonardo de Vargas Pellegrini, mestre em Engenharia de Materiais. Em 2020, durante uma visita a um cliente no Nordeste, ele identificou corrosão precoce em uma linha de envase fabricada com tubos adquiridos como AISI 201. Após análise, constatou-se que o material não atendia a nenhuma norma técnica existente: tratava-se de um aço Cr-Mn não normatizado, vendido como inoxidável da série 200. O episódio revelou, mais uma vez, os riscos da compra de materiais sem certificação confiável.
Esses casos reais mostram a importância da correta especificação do material. O aparente ganho econômico inicial ao substituir o inox 304 pela série 200 pode se transformar em prejuízo a médio prazo, com falhas prematuras, aumento de custos e até riscos à saúde em aplicações alimentícias e hospitalares. E quem mais sofre com isso, em sua grande maioria, é o usuário final.